domingo, 20 de novembro de 2011

Resenha: FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1997.



Os homens não podem permanecer crianças para sempre; têm de, por fim, sair para a “vida hostil”. Podemos chamar isso de “educação para a realidade”. Precisarei confessar-lhe que o único propósito de meu livro é indicar a necessidade desse passo á frente?
Sigmund Freud

O AUTOR
O livro Futuro de uma ilusão, publicado do original alemão Die Zukunft einer Illusion em 1927 foi escrito na conjuntura do depressivo período entre guerras por Sigmund Freud (1856-1939), considerado o pai da psicanálise, autor de vasta produção científica.
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No início, Freud aponta dos desafios que a civilização impõe as pessoas, como nessa própria relação. Ele aponta também acerca dos indivíduos, sendo poucos os que possuem a capacidade de abranger seu destino, pois isto depende de fatores pessoais de sua existência. É creditado que todo individuo é inimigo da civilização. A cultura humana, influência da 1º infância das pessoas, deveria educar os indivíduos visando uma melhor relação deles com a civilização, embora nenhuma até então conseguiu isso. Os homens, por exemplo, não são amantes do trabalho. A vida humana, considerada acima da vida animal oferece duas tendências, a saber, distribuição de riquezas e regulamentação da sociedade.
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Como anunciado por Freud, essa visão econômica passa para a psicológica e torna-se mais clara a luta bipolar entre individuo e sociedade. São vários desafios que a civilização tem de vencer; a luta contra os inimigos da cultura, os neuróticos (com desejos anticivilizatórios), rebeldes, destruidores, insatisfeitos e os que reprimem (por serem reprimidos). Nisso, a arte compensa a dor da civilização, enquanto a religião equivaleria a uma ilusão.
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O autor afirma que;
Já falamos da hostilidade para com a civilização, produzida pela pressão que esta exerce, pelas renúncias do instinto que exige. Se se imaginarem suspensas as suas proibições – se, então, se pudesse tomar a mulher que se quisesse como objeto sexual; se fosse possível matar sem hesitação o rival ao amor dela ou qualquer pessoa que se coloca no caminho, e se, também, se pudesse levar consigo qualquer dos pertences de outro homem sem pedir licença -, quão esplêndida, que sucessão de satisfações seria a vida![1]

Mas isso traz conseqüências as pessoas, pois
Tal como a humanidade em geral, também para o indivíduo a vida é difícil de suportar. A civilização de que participa impõe-lhe uma certa quantidade de privação, e outros homens lhe trazem outro tanto de sofrimento, seja apesar dos preceitos de sua civilização, seja por causa das imperfeições dela.[2]


A civilização por um lado, segundo Freud, nos salvou da natureza, mas por outro lado existe a “humanização da natureza”; Os deuses ao mesmo tempo, são senhores dela e nivelam as dificuldades da civilização. A morte, do que o pai protege o filho, mas que teme o próprio pai pode ser entendido como de outra existência. Um dos bens desta civilização seriam as ideias religiosas, como atestado pelo autor da chamada piedosa América.
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Freud afirma que
Uma investigação que progride com um monólogo, sem interrupção, não está inteiramente livre de perigos. Facilmente, fica-se tentado a pôr de lado pensamentos que nela ameaçam irromper, e, em troca, fica-se com uma sensação de incerteza que, no final, se tenta manter submissa por uma decisão radical.[3]


O psicanalista austríaco incorpora em seu diálogo um virtual opositor de suas ideias, que em suma, poderia acusá-lo de ser unilateral (essa sua própria afirmação). Se as primeiras formas de divindade eram animais e o homem primitivo não teria escolhas, o mesmo não pode se dizer do homem do estudo do Freud. A mãe, nessa conjuntura aparece como a 1º forma de defesa, enquanto o pai é a 1º forma de perigo a criança.
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Da religião ele destaca 3 pontos: que dela os primitivos já acreditavam, as provas de transmissão do conhecimento religioso e o fato de não poder se levantar a autenticidade da religião, sendo por ele destacado que não é novo nem ele foi o 1º a fazer tais perguntas. Ele cita que
A primeira é o “Credo quia absurdum”, do primeiro padre da Igreja. Sustenta que as doutrinas religiosas estão fora da jurisdição da razão – acima dela. Sua verdade deve ser sentida interiormente, e não precisam ser compreendidas.[4]
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A justiça é como uma ordem moral mundial e a ilusão deriva do desejo humano, não sendo somente irrealizável. Ninguém, necessariamente, precisa crer ou descrer.
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Segundo Freud, se as doutrinas são ilusões religiosas, e o que são as outras coisas? A civilização se mantêm nas crenças religiosas, sendo equivalente a um suporte. O autor afirma que a civilização deveria abandonar a religião e ele afirma que está livre dos riscos disso, que ele afirma que se alguém o criticasse:
Mas, repito, esses tempos já passaram e, atualmente, os escritos desse tipo não trazem para seu autor mais perigo que para seus leitores. O máximo que pode acontecer é que a tradução ou distribuição de seu livro sejam proibidas num país ou noutro, e, precisamente, é natural, num país que esteja convencido do alto padrão de sua cultura.[5]

A psicanálise (do qual foi criador) enfrentou de tudo e é considerado por ele um método de pesquisa imparcial. Ele considera que as pessoas tem raiva da civilização e no fundo mesmo elas sendo veículos dela, o pecado é agradável a Deus, então
Se a única razão pela qual não se deve matar nosso próximo é porque Deus proibiu e nos punirá severamente por isso nesta vida ou na vida futura, então, quando descobrirmos que não existe Deus e que não precisamos temer Seu castigo, certamente mataremos o próximo sem hesitação e só poderemos ser impedidos de fazê-lo pela força terrena.[6]
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A sociedade mata e não deixa matar, que Freud indica como uma compreensão míope. Assim 
Dessa maneira, a doutrina religiosa nos conta a verdade histórica – submetida embora, é verdade, a certa modificação e disfarce –, ao passo que nossa descrição racional não a reconhece.[7]

E também, seguindo essa linha de raciocínio
Nosso conhecimento do valor histórico de certas doutrinas religiosas aumenta nosso respeito por elas, mas não invalida nossa posição, segundo a qual devem deixar de ser apresentadas como os motivos para os preceitos da civilização. Pelo contrário![8]

A verdade histórica, segundo Freud, mostra os preceitos da civilização, como por exemplo, falar que os recém-nascidos são vindos da cegonha, entendido com isso uma roupagem simbólica.
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Segundo Freud, os homens são dirigidos por suas paixões e instintos. A experiência das revoluções Russa (em 1917) e Francesa (entre 1789 e 1799), de tentar tirar a religião, acabou não trazendo o resultado esperado, embora o próprio Freud admita em seu livro que ele esteja tratando de muitos assuntos. Ele aponta para uma experiência de educação não religiosa e diz que a religião não deve ser eliminada pela força. Assim Freud afirma que
[...] Os homens não podem permanecer crianças para sempre; têm de, por fim, sair para a “vida hostil”. Podemos chamar isso de “educação para a realidade”. Precisarei confessar-lhe que o único propósito de meu livro é indicar a necessidade desse passo á frente?[9]

E finaliza a ideia com o poema de Heine
Deixemos o Céu aos anjos e aos pardais[10]
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Continuando, Freud aponta para o fato de perigo de trocar a religião por outro sistema, e esse outro se assemelhar muito a religião, existe também a possibilidade do abandono das expectativas científicas, por outras que possam supri-las. Nisso, muitos homens não amadurecem. Ele afirma que
A voz do intelecto é suave, mas não descansa enquanto não consegue uma audiência. Finalmente, após uma incontável sucessão de reveses, obtêm êxito. Esse é um dos poucos pontos sobre o qual se pode ser otimista a respeito do futuro da humanidade, e, em si mesmo, é de não pequena importância. E dele se podem derivar outras esperanças ainda.[11]

Por essa lógica de Freud, a religião irá sumir tomando-se a parte defender a ilusão religiosa. Ele afirma que abandonar a religião não perde o interesse na vida nem no mundo. Então
Não, nossa ciência não é uma ilusão. Ilusão seria imaginar que aquilo que a ciência não nos pode dar, podemos conseguir em outro lugar.[12]


Em suma, a obra de Freud traz a ideia de laicização do mundo, entendendo a ciência como algo que pode ajudar a humanidade e a religião, como uma etapa que já deveria ter sido vencida. Essa obra foi produzida em um momento complexo da humanidade, em meio a crises como a de 1929 e em uma época que a ciência cada vez alcança áreas que antes eram de áreas mais tradicionais, como a própria religião, sendo um importante documento, os escritos de Freud, para se entender a conjuntura de uma época de muitas incertezas para a humanidade.


BIBLIOGRAFIA
FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1997.

[1] FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Tradução de José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago. 1997. p. 25.
[2] FREUD, Sigmund. p. 27.
[3] FREUD, Sigmund. p. 34.
[4] O “Credo quia absurdum” é atribuído a Tertuliano, que teria dito que “Creio porque é absurdo”. FREUD, Sigmund. p. 45.
[5] FREUD, Sigmund. p. 57.
[6] FREUD, Sigmund. p. 62.
[7] FREUD, Sigmund. p. 68.
[8] FREUD, Sigmund. p. 70.
[9] FREUD, Sigmund. p. 77.
[10] Do original “Den Himmel uberlassen wir / Den Engeln und den Spatzen.
[11] FREUD, Sigmund. p. 84.
[12] FREUD, Sigmund. p. 87.

3 comentários:

  1. Muito, muito bom! Claro e bem "costurado" com as citações originais. Me ajudou muito na compreensão desse texto tão importante às ciências humanas.

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  2. Obrigado pela leitura, eu só aponto que pelo fato de ser uma resenha a recomendação é que seja escrita no máximo em cinco páginas, então não pude na época explorar tudo que queria.

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  3. Obrigada pelo texto. Me ajudou muito.

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