quarta-feira, 18 de abril de 2012

Resenha: RIDENTI, Marcelo Siqueira. O Fantasma da Revolução Brasileira. 2º Ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Editora UNESP. 2010. 324 p.



“Quem dá o primeiro tiro, carrega o resto”
Carlos Marighella


     Lançada no fim da década de 1980 e originaria dos seis anos de produção da tese de doutorado de Marcelo Ridenti (UNICAMP), a obra O Fantasma da Revolução Brasileira é um importante estudo acerca de um tema pouco explorado pela academia, qual seja os grupos de esquerda que se formaram no Brasil nas décadas de 1960 e 1970 na esfera dos eventos da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). Jacob Gorender (USP), que participou desses eventos diretamente e ajudou Ridenti em sua obra, no prefácio faz uma análise da obra. É também definido pelo autor o acerto de contas com o “fantasma da revolução brasileira” que a sua obra produz, podendo-se entender esse fantasma como as derrotas e erros (p. 13) que as esquerdas enfrentavam, iniciadas segundo o autor pela passividade do PCB[1] nos eventos que se sucederam a Ditadura Militar e a proposta de revolução não armada, que originou sua perda de hegemonia e criaram-se várias facções.

     No primeiro capítulo, A Constelação da Esquerda Brasileira nos anos 1960 e 1970, a ênfase encontra-se nos vários grupos, armados ou não, dos movimentos sociais de esquerda. O autor enfatiza o PCB, que embora ilegal no início da década de 1960 estava em seu apogeu e era líder do movimento das esquerdas; nele existia a ideia do setor burguês-latifundiário no comando da sociedade partindo-se da ideia dos resquícios de um feudalismo que entravavam o país e que deveria ser superado. Mas o autor aponta alguns problemas, como a via pacífica ao socialismo do PCB (p. 46) e seu caráter burocratizante (p. 41). Nessa conjuntura o partidão sofreu muitas sangrias; como o ALN fundado por Carlos Marighella, um dos mais conhecidos membros do PCB e outros grupos que se formaram.[2] O PC do B que fez a única investida no campo, a Guerrilha do Araguaia[3] e o MR8 que foi um grupo criado por dissidências estudantis (p. 30) frente à divergência de vários outros grupos (p. 37). Questões como a relação entre a burguesia brasileira, forças armadas, latifundiários e o capital internacional pouco foi explorado pelos grupos da esquerda. No início de 1964, os grupos de esquerda pouco produziram de documentos, devido ao seu caráter mais ativo, mesmo sendo políticos e armados ao mesmo tempo (p. 40) atestado isso, como na produção intelectual de Jamil Rodrigues[4], teórico do VPR. Marighella em sua vida ativa nos movimentos de esquerda trouxe várias experiências ao ALN (grupo autodenominado como anarco-militarista) como em sua presença em Cuba em 1967. Questionado sobre a função dos revolucionários, Marighella respondeu “que o dever de todo revolucionário é fazer revolução” (p. 45) ou na ideia de “quem dá o primeiro tiro carrega o resto”. As divergências variavam em muitos graus entre os grupos; como os maoistas, guevaristas ou foquistas[5], se usariam a massa popular (ALA, POC, PRT, VAR, PCBR, MR8) ou sem eles (VPR, ALN, REDE). Ações de expropriação, pouco usuais no começo do golpe de 1964 eram mais comuns após esse período, como assaltos a bancos, sequestros, sabotagens, terrorismo e “guerra de nervos”. 

     No segundo capítulo, A Canção do homem enquanto seu Lobo não vem, Ridenti aprofunda sobre as artes e os seus artistas nas agitadas décadas do golpe. A começar pela Passeata dos Cem Mil[6], em que estavam envolvidos muitos artistas; a relação existente entre eles e os grupos de esquerda era mutua, pois os próprios ajudavam financeiramente as organizações. No PCB estavam muitos artistas, mas deve-se destacar que nem todas as artes eram contestadoras. No contexto da Guerra Fria, as ideias das organizações armadas alcançavam outros ares, como prova o periódico Francês Le Temps Modernes. Podem-se destacar os CPC[7], Teatro de Arena, Cinema Novo, músicas como Caminhando de Geraldo Vandré (que simbolizava a luta de 1968), Viola Enluarada de Marcos e Paulo Sérgio Valle, Louco por ti América (homenagem a Che Guevara) e Apesar de Você de Chico Buarque. Filmes como San Michele aveva um gallo (1972), Barravento (1962), Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha, livros como Quarup (1964) e Bar Don Juan (1971) de Antonio Callado contestavam, aos seus modos, a Ditadura Militar. O movimento estudantil teve uma participação que se deve destacar; o estudantado compunha em alguns grupos próximos a metade dos integrantes, tinham entre 25 a 30 anos, eram estudantes secundaristas ou universitários e existiam grupos como o FLN que era chamado de “jardim da infância dos grupos esquerdistas” (p. 117) devido à alta taxa de estudantes ativos nele, encastelado nisso, a UNE, portanto, tinha um papel de destaque em nossa sociedade, sendo a referência para os problemas da sociedade. O governo reprimiu após 1968 fortemente o movimento estudantil, como reduzindo os recursos as faculdades federais de 11% para 7% (p. 124). Militares (de baixa patente), religiosos, empresários e professores compunham também os grupos de luta das esquerdas, destes grupos os mais ativos eram provenientes de patamares mais baixos, como professores secundaristas ou os dominicanos, referência de ajuda aos estudantes (p. 150).
     No capítulo 3, Obscuros Heróis, sem vez e sem voz, são aprofundados a participação dos trabalhadores urbanos e rurais, girando em torno de 10% de participantes nos grupos. Fortemente reprimida, essa classe sofreu fortes intervenções do Estado, como no fechamento de 563 sindicatos entre 1964 e 1970 (p. 166), a peça de teatro “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” de Vianinha e Ferreira Gullar, ironizava a situação da época. O grupo de Osasco era considerado uma “Meca das esquerdas” (p. 183), formado por metalúrgicos, operários, operadores e estudantes. As mulheres compunham aproximadamente 18% dos grupos, e segundo o autor sua participação seria vencer anos de submissão (p. 198). Grandes análises, estratégias e táticas eram feitos sempre pelos homens (p. 201). No universo do campo, onde estava metade da população brasileira da época, os dados da BNM[8] quanto às mortes no campo não devem ser observados como absoluto, pois as distâncias e isolamento dificultam seu arquivamento, como ocorrido no massacre da Guerrilha do Araguaia que demorou mais de dois anos e três campanhas para serem derrotados no ano de 1974 (p. 226, 227).
     A vida dos militantes no pós 1969 e AI-5 é o tema do último capítulo, Luta, conspiração e morte. Os grupos de esquerda, principalmente no segundo semestre de 1969 foram fortemente perseguidos, nesse ambiente a clandestinidade viraria um fetiche (p. 246) e perdia-se o caráter político, pois os grupos armados eram cada vez mais marginalizados pela repressão. Existia dificuldade também na renovação dos grupos e os militantes cada vez mais dependiam dos grupos armados. A morte era cada vez mais próxima dos militantes, como nos relatos de Betinho que imaginava uma “revisão de tudo” (p. 252) ou a necessidade do recuo. A morte de Zé Roberto, atestado no bonito depoimento de Vera Lúcia Guimarães, é um exemplo de suicídio revolucionário (p. 266), tema muito explorado por Ridenti, que pode ser entendido entre os vários tipos de mortes, como até pela tortura. Os traidores, aqueles que desviavam da proposta revolucionária, como ações ambíguas ou a entrega de companheiros a polícia, poderiam ser mortos pelo grupo, conhecido isso como justiçamento (p. 270).
     Em suma, a obra O Fantasma da Revolução Brasileira destaca-se por iluminar acerca de áreas que não ofereciam estudos mais profundos de uma polêmica época do Brasil, a Ditadura Militar e os grupos de esquerda, que foram jogados para segundo plano, mas inteligentemente explorado nesta obra, contribuindo para os estudos dos grupos marginalizados e na História do Brasil.

BIBLIOGRAFIA
RIDENTI, Marcelo Siqueira. O Fantasma da Revolução Brasileira. 2º Ed. Revista e Ampliada. São Paulo: Editora UNESP. 2010.


[1] Partido Comunista Brasileiro, criado em 1922, também conhecido por “Partidão”.
[2] PC do B, PCR, ALA, MRT, PRT, MRN, MNR, MAR, RAN, FLN, MR-21, VPR, PORT, COLINA, VAR, DPR, POC, AP, POLOP e MR8 entre outros.
[3] Localizada na região Amazônica e ao longo do Rio Araguaia, esse conflito alcançou os atuais territórios do Pará, Goiás e Maranhão.
[4] Nome secreto do prof. Ladislaw Dowbor.
[5] Ideia a partir do Foco Revolucionário, começando a revolução sem o apoio inicial da população.
[6] Movimento contra a Ditadura Militar no Rio de Janeiro em 1968.
[7] Centros Populares de Cultura, criados em 1961
[8] Brasil Nunca Mais, criada em 1979 visando à abertura de documentos secretos do regime militar.




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