sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Resenha: SEGRILLO, Angelo. Os Russos. São Paulo: Contexto. 2012. 292 p.



Dividida em 13 partes, acompanhada de muitas imagens e cronologia dos principais fatos da história russa a obra Os Russos, de Angelo Segrillo, é um importante estudo sobre os povos russos e a sua cultura, fazendo parte também da coleção de livros dessa mesma editora que tratam de alguns povos específicos, como os Americanos, Portugueses e Japoneses.
       
        O autor, especialista em estudos russos pela Universidade de São Paulo, diz na introdução algumas das características e curiosidades da Rússia, como suas muitas riquezas naturais e o jus sanguinis (direito de sangue). Segundo Angelo Segrillo
Morei muitos anos na Rússia. Primeiro cursei o mestrado no Instituto Pushkin de Moscou, ainda nos tempos da União Soviética. Depois por períodos de longa duração de pesquisa nos arquivos da Rússia pós-soviética como historiador especializado naquela região do mundo. O relato deste livro é fruto, então, não apenas das leituras acadêmicas, como também da vivência e contato pessoal com os russos, em seu ambiente (SEGRILLO: 14).

Em Quem são os russos, capítulo introdutório e guia do livro, o autor discute a nacionalidade russa, baseada na ideia de sangue, diferente, portanto, do caso brasileiro. O sangue pode ser, nesse caso, entendido como cultura, como a produzida pelos seres humanos (WILLIAMS, 1992).

Em O maior país do mundo é problematizado uma característica geográfica da Rússia; sua divisão entre Europa e Ásia, que se reflete em algumas confusões quanto à definição da identidade aos seus povos. São destacados alguns superlativos russos: sua enorme área coberta de gelo, maior reserva de florestas, nove fusos horários, maior exportador mundial de minerais, madeira e energia.  

Das antigas repúblicas soviéticas destacam-se os países bálticos (Letônia, Lituânia e Estônia), as três repúblicas consideradas quentes e ensolaradas (Geórgia, Armênia e Azerbaijão), países com comuns origens (Romênia e Moldávia), as cinco repúblicas muçulmanas localizadas na Ásia central (Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Tadjiquistão e Quirguistão), além de outras nacionalidades que convivem dentro e fora do território russo, como a Chechênia.

Em A cultura russa o autor aponta que os russos são um povo adepto da leitura, principalmente na época soviética, devido ao subsídio maior no custo do material impresso; apresenta-nos também os muitos elementos que se somavam pra construção da Rússia atual, como os vikings (COSTA, 2012). São também apontados vários autores em língua russa como Mikhail Lomonosov, Nikolai Karamzin, Aleksandr Pushkin, Dostoievski, Tolstoi, Anton Tchekhov, Maiakovski, e escritoras como Anna Akhmatova e Marina Tsvetaeva; além de muitos outros escritores conhecidos mundialmente. A academia de artes russa foi fundada em 1757, que por extensão impulsionou artistas como Ilya Repin, Mikhail Vrubel, Mikhail Nesterov, Vladimir Burlyuk, Kazimir Malevich, assim como vários movimentos artísticos. Assim como a arte, o cinema russo é considerado revolucionário, e alguns de seus produtores são conhecidos mundialmente, como Sergei Eisenstein, Aleksandr Dovjenko, Pudovkin e o criador da primeira escola de cinema no mundo; Lev Kuleshov. A música era em épocas passadas onde o povo russo, grandes músicos das cordas, canalizavam seu talento.

Em Como pensam, comem, vivem e se divertem os russos o autor mostra que os russos tem sua alimentação ligada ao seu rigoroso frio russo. Nos esportes despontavam principalmente na época soviética, pois em momentos específicos, como nas Olimpíadas, conseguiam rivalizar com seu maior adversário: os Estados Unidos. Os russos tem um equivalente ao carnaval brasileiro; o maslenitsa, uma festa de origem pagã. O sistema familiar russo se assemelha ao brasileiro, pois os jovens ficam mais tempo em casa se comparado ao padrão estadunidense. A educação russa é uma das mais desenvolvidas do mundo, onde praticamente todos são alfabetizados. As mulheres enfrentam uma situação próxima do ocidente: elas ganham menos e trabalham mais, mesmo tendo maior tempo de estudos.

Na parte As origens e a cristianização é afirmado que o estado russo teve suas origens não na própria Rússia e sim na região de Kiev, na Ucrânia. Ainda que seja de difícil definição a origem russa na Crônica Primária Russa é mostrado que o estado russo foi fundado com a ajuda (solicitada e atualmente velada) dos vikings, embora nem todos aceitem essa versão. Na expansão pelo ocidente e oriente, é salientado que na Rússia o cristianismo teve características próprias, se separando do que era praticado no ocidente, como o cristianismo ortodoxo, que prima por suas formas mais originais. Posteriormente, no período soviético era pregado o ateísmo, mas com algum grau de liberdade religiosa.

Em Conquistada e conquistadora é mostrado que a Rússia foi dominada por um longo período, do século 13 a 15 pelos mongóis, que segundo defendem alguns autores atrasou o estado russo em relação ao que estava ocorrendo no ocidente. São apresentadas duas formações mais antigas: a Rússia czarista considerada uma confederação de estados bem diferentes e a Rus’ kievana, com forte centralização política.

Em A Rússia e o ocidente o autor levanta qual o grau de relação entre a Rússia e ocidente, passando por fases que às vezes a aproximavam, e às vezes se diferenciavam dessa parte do planeta, como no governo de Pedro, o Grande, e Catarina II, convencidos do atraso russo e da modernidade dos países do ocidente. É destacada também a Intelligentsia, ou seja, o chamado grupo de pessoas, que havia cursado faculdade ou curso técnico e que praticavam algum tipo de trabalho “mental”, na chamada época do iluminismo russo.

Em O período pré-revolucionário a Rússia começa a ganhar maior prestígio no exterior após os reinados de Pedro e Catarina. É mostrada a armadilha que os russos imprimiram aos franceses ao tentarem invadir o território russo nas guerras napoleônicas, como a baixa de 600 mil soldados franceses em Moscou. São destacados outros conflitos, como a guerra da Criméia e os muitos conflitos entre Rússia e Turquia. São mostradas as revoluções russas, como a de 1905, que pretendia mudar uma nação sem partidos políticos, constituição ou leis formais, sendo abortada por ser fortemente reprimida. São apresentadas algumas causas que impulsionaram a Rússia em sua revolução de 1917 (a de fevereiro e outubro), como a concentração de operários em grandes fábricas e a liderança de figuras de destacado peso político, como Lenin e Trotski.

O capítulo Os meandros da Revolução Russa continua a ideia do capítulo anterior, ao afirmar na proposta revolucionária que a Revolução Russa teve frente a um capitalismo que enfrentava problemas. O autor questiona sobre se no ano de 1917 o que aconteceu teria sido um golpe ou revolução, afirmando que a resposta foi ao mesmo tempo um pouco dos dois. A guerra civil de 1917 a 1921 devastou a Rússia, agora aberta para ser reconstruída por duas formas de economia: ou a de mercado (capitalismo) ou o socialismo (coletivação), optando no final das contas em um sistema misto, através da política instituída por Lenin através do NEP. Por volta de 1937, no fim do segundo plano quinquenal, a Rússia já era a segunda maior potência industrial do mundo, rivalizando com os Estados Unidos (BARRACLOUGH, 1976). Na década de 1920, destacam-se as lutas políticas entre algumas figuras que participaram da Revolução de 1917 como Stalin, Trotski, Bukharin e Lenin.

Em Sob Stalin é estudado o crescimento russo nas décadas de sua administração, como o impressionante crescimento russo ao custo de muito esforço humano num regime muito rígido. É destacada pelo autor a revolução cultural dos anos 1930, pouco estudada no ocidente e o trauma nacional dos 27 milhões de mortos russos durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse período devido à convocação de vários setores da sociedade russa para a guerra, foi dada uma maior abertura política no país. Mais uma vez arrasada em uma guerra mundial, no início da década de 1950 a Rússia consegue ser novamente a segunda potência industrial do mundo (HOBSBAWN, 1995).

Em Acomodação do sistema após a morte de Stalin fica um vazio em sua sucessão presidencial, ficando, no fim das contas Nikita Krushchev, vinculado ao círculo político de Stalin, mas de conduta política menos rígida. Krushchev e Brezhnev começaram a chamada coexistência pacífica com os Estados Unidos, um de seus maiores rivais. Alguns momentos destacam-se como o lançamento do primeiro satélite artificial no espaço (Sputnik ,1957), o primeiro ser humano no espaço (Yuri Gagarin, 1961) e a Crise dos Mísseis (1962).

Em O fim da URSS o autor chama a atenção para o governo de Mikhail Gorbachev, último chefe do estado soviético, que traria uma reforma no sistema do país, como a Perestroica, inclusive ao ser um dos governantes mais novos que estavam em vigência. A troca de uma economia fortemente centralizada aos poucos vai dando espaço a outras forças de cooperação, como as empresas privadas. No começo de 1990 cai o regime soviético, após sete décadas de domínio no leste europeu e influência de um terço dos países no mundo.

Em Os russos embarcam no capitalismo a antiga União Soviética cede lugar a 15 novos países no final de 1991. Boris Yeltsin governa desastradamente agora a Federação Russa e é sucedido por Vladimir Putin na década de 2000, que teve três mandatos presidenciais, apenas interrompidos pelo aliado Dmitri Medvedev. É começado o maior programa de privatização do planeta na década de 1990, que gerou inflação e desemprego em todo o país.

Em Os russos e o Brasil o autor mostra que, apesar de Brasil e Rússia serem dois gigantes poucas vezes estiveram próximos, como expresso em seus diferentes regimes políticos e econômicos ao longo de suas histórias. Cooperações econômicas aconteceram nos governos contemporâneos dos dois países, como no simbolismo do primeiro brasileiro no espaço patrocinado pela agência espacial russa. São levantados outros pontos, como a maior imigração russa ao Brasil no século 20, a influência de membros da Igreja Ortodoxa no território nacional e de alguns conhecidos brasileiros de origem russa.

Na Conclusão o autor aponta que a história dos russos é um capítulo a parte desse país, baseado principalmente da preferência dos russos entre o sistema capitalista e o sistema socialista, tema ainda em aberto.

         Em suma, o autor examinou a história russa tendo por base tanto o olhar acadêmico quanto a própria experiência pessoal da época que viveu na Rússia, sendo que as muitas características desse país, como aspectos físicos e geográficos, cultura, história, etnias, língua e arte, entre outros pontos, sendo, portanto, uma importante e profícua fonte quanto a cultura russa.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

· BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar. 1976.
● COSTA, Fabio Antonio. A história dos vikings em periódicos de história do Brasil. Disponível em: www.historiaehistoria.com.br.
● HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras. 1995.
· SEGRILLO, Angelo. Os Russos. São Paulo: Contexto. 2012.

· WILLIAMS, Raymond. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1992.

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